quarta-feira, 5 de maio de 2010

Física Quântica

FÍSICA QUÂNTICA

Sabemos que a Filosofia, mesmo centrando seu método na reflexão e no raciocínio especulativo, não prescinde do conhecimento revelado pelas ciências experimentais, que procuram explicar a realidade natural, social e cultural. Nesse sentido a Física destaca-se por ser a ciência fundamental da natureza, da qual derivam, por particularização do objeto de estudo, as demais ciências naturais. E, na Física, o advento da Teria Quântica e da Teria da Relatividade, no início do século XX, foram os eventos que mais implicações filosóficas provocaram. Assim, é de todo prudente e proveitoso, que aquele que intente dedicar-se a filosofar, tenha noções corretas sobre o significado e as implicações filosóficas dessas duas teorias. No presente tópico desejo discutir os aspectos quânticos. Que fique claro, contudo, não se tratar de aulas, mas sim de discussões, pois os temas ainda não se encontram fechados.

Para começar é preciso entender que toda teoria física é um modelo, um construto intelectual do homem, calcado predominantemente na matemática, que pretende descrever o comportamento de certo aspecto da realidade física. Esta, todavia, existe por conta própria, independente de que explicação se tenha para ela. Assim, a validação de qualquer teoria física, dá-se enquanto seja ela capaz de descrever o comportamento da natureza, de modo a que suas previsões sejam acertadas e possibilitem, até, o controle deliberado dos fenômenos envolvidos. Mas, diferente do que em geral se considera, as teorias físicas não se atém, apenas, em descrever “como” a natureza opera, mas procuram achar também “porquê” assim o faz.
Enquanto as equações levam a resultados quantitativos corroborados pelas medidas experimentais, pode-se dizer que a teoria tem sucesso em dizer “como” opera a natureza. Os porquês, contudo, ligam-se às interpretações que se fazem para ligar a teoria formal à realidade objetiva do mundo. A teoria existe no contexto das idéias. Sua realidade é conceitual. Os fenômenos existem na realidade física do mundo.

Sucesso da Física Quântica

Sem dúvida a Física Quântica (ou, se preferir, sua formulação teórica, a Mecânica Quântica), tem revelado um estrondoso sucesso ao mostrar “como” a natureza se comporta, especialmente no domínio microscópico, não acessível diretamente aos sentidos e, portanto, não aquinhoado com as interpretações do conhecimento empírico ou vulgar. O funcionamento do sem número de dispositivos eletrônicos modernos, todos baseados em fenômenos quânticos, mostra o quanto a “engenharia” já absorveu do conhecimento científico teórico da Física Quântica e o colocou na prática cotidiana. Isto é inquestionével e chancela a validação da Mecânica Quântica como uma teoria que descreve corretamente a natureza.
A interpretação que se faz do que, de fato, acontece na natureza para que ela se comporte do modo como as equações mostram que faz, é outro problema que, inclusive, insere-se num contexto filosófico de meta-ciência e não se trata de ponto pacífico nas comunidades física e filosófica.
Para compreender as questões envolvidas, mister se faz desenhar uma descrição, mesmo que não aprofundada, do que consiste naquilo que se denomina “Mecânica Quântica” e “Física Quântica”.
Os termos Física e Mecânica diferem, neste contexto, no sentido em que Mecânica é a teoria formal do comportamento das entidades físicas nos fenômenos que ocorrem com elas, enquanto a Física são as circunstâncias nas quais tais fenômenos ocorrem.

Mecânica clássica

A Mecânica Clássica, formulada por Galileu, Descartes, Newton, Lagrange, Laplace, Hamilton e outros grandes físicos e matemáticos do passado, centra-se no binômio movimento e interação, experimentados por entidades elementares que são as partículas materiais e seus agrupamentos em corpos extensos, rígidos, deformáveis, elásticos, plásticos ou flúidos, em um cenário externo de um espaço e um tempo absolutos. As grandezas que se atribuem a essas entidades são massa, velocidade, aceleração, energia, momentum e outras, enquanto as interações por elas experimentadas são descritas por grandezas como força, impulso, trabalho, torque etc. Na mecânica clássica há uma relação fundamental entre esses dois aspectos (movimento e interação) que governa o funcionamento do mundo (tudo, até o pensamento), que é a “Segunda Lei de Newton” que diz que a aceleração de uma partícula é diretamente proporcional à resultante das força que sobre ela atuam e inversamente proporcional à massa da partícula (para uma discussão mais detalhada, sugiro ler meu artigo: http://www.ruckert.pro.br/blog/?page_id=151

A primeira lei de Newton diz respeito à escolha do referencial correto (inercial), para que se possa descrever o movimento e a terceira versa sobre a intensidade relativa da interação experimentada por cada partícula. Todo o resto da mecânica clássica e até da termodinâmica clássica pode ser obtido a partir dessa lei.

A Mecânica Clássica é estritamente determinista e, nas palavras de Laplace:
“Nós podemos tomar o estado presente do universo como o efeito do seu passado e a causa do seu futuro. Um intelecto que, em dado momento, conhecesse todas as forças que dirigem a natureza e todas as posições de todos os itens dos quais a natureza é composta, se este intelecto também fosse vasto o suficiente para analisar essas informações, compreenderia numa única fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e os do menor átomo; para tal intelecto nada seria incerto e o futuro, assim como o passado, seria presente perante seus olhos”.

Mudança de concepções

O importante, aparentemente despercebido no estudo da lei, é que ela se aplica à entidade chamada “partícula”, ou “ponto material”. Tal entidade consiste em uma abstração mental de um objeto sem dimensão mas com localização e massa. Esse objeto simplesmente não existe na natureza. Um dos pilares da física quântica é a abolição desse conceito. A relatividade, por outro lado, aboliu o conceito de espaço e tempo absolutos. Com a supressão do conceito de partícula, surgiu o problema da indefinição da localização e da velocidade do ente que participa do fenômeno, bem como da determinação da medida da intensidade da interação por ele experimentada.
A necessidade da revisão desses conceitos surgiu com o estudo da emissão de radiação por um corpo aquecido feito por Max Planck na virada do século 19 para o 20 (pelo que ele ganhou o prêmio Nobel). O problema também surgiu no estudo do denominado “efeito foto-elétrico” feito por Einstein em 1905 (que lhe valeu o prêmio Nobel e não a relatividade). Ambas os problemas envolvem o movimento de partículas sob a interação eletromagnética, cuja teoria fora formulada por Maxwell em 1860, com base nos trabalhos experimentais de Ampére e Faraday, bem como nos trabalhos desenvolvidos por Boltzmann, ao procurar enquadrar os fenômenos térmicos como fenômenos mecânicos experimentados por um número muito grande de partículas, tratados por meio de métodos estatísticos.

O conceito de campo

O novo conceito introduzido por Maxwell nas equações do eletromagnetismo (mas já vislumbrado por Faraday de um modo intuitivo) é o de “Campo”. Esta nova entidade, desconhecida por Newton é de natureza completamente diferente de partícula ou corpo. Trata-se de uma entidade física, real, natural, mas não material. Possui extensão, localização, intensidade, quantidade, energia e outros atributos. Pode variar com o tempo, é detectável, mas não é matéria, nem espírito, nem fantasma. Tal conceito, a principio, revelou-se misterioso para os físicos que avogavam a “ação à distância”. Atualmente sabe-se que as interações se dão por intermediação de campos, inclusive a gravidade. Do que se trata?
As interações entre os corpos materiais (não estou falando de partículas) se dão devido a certos atributos que eles possuem. Por exemplo, a gravitacional se dá pela massa do corpo, enquanto a elétrica se dá por algo que ele tem chamado “carga” (depois vou conceituar o que é carga). A existência de um corpo que possua carga cria no espaço que o circunda uma modificação nas suas propriedades de tal forma que, se outro corpo também possuidor de carga estiver alí por perto, sofrerá uma força, que, caso o primeiro não estivesse lá, não sofreria. Esta modificação no espaço que causa esta força é que consiste no “Campo”. A realidade do campo como intermediário da interação pode ser verificada vendo-se que, ao retirar a primeira carga, por um certo tempo, a segunda ainda sofre a força emanada da primeira, que está sendo levada pelo campo, até que este se extinga. Isto é o que ocorre com as transmissões de rádio, que se dão por meio de campos elétricos. O atrazo é perceptível quando duas TV’s sintonizam o mesmo canal, um direto e outro por satélite.
A partir do campo elétrico, outros tipos de campos foram descobertos, como o magnético, o gravitacional e outras modalidades. O conceito de campo é de primordial importância na Mecânica Quântica.

Radiação e ondas

Maxwell já havia mostrado que a luz é uma radiação eletromagnética, isto é, uma composição de campos elétricos e magnéticos que se auto propelem, a variação de cada um gerando o outro e este conjunto desprendendo-se da carga fonte orginal do campo, desde que esta sofra aceleração (como acontece nas antenas transmissoras). Se esta aceleração for oscilatória, a radiação emergente consiste em uma “onda eletromagnética”, cujas diversas modalidades se caracterizam pelas diferentes frequências de vibração (desde os raios cósmicos e raios X (altas frequências), passando pela luz visível até as ondas de rádio (baixas frequências)). A radiação interage com a matéria em sua emissão, em sua absorção e em sua transmissão nos meios transparentes. A consideração da luz como uma onda deu considerável impulso à ciência da ótica, pelos trabalhos de Huygens, Fresnel, Young e Fraunhoffer, desbancando a interpretação corpuscular proposta por Newton. Onda, portanto, é uma perturbação que se propaga. Se houver perturbação (alteração nas propriedades) apenas localizada, não é onda e se houver propagação de algo imperturbável, também não é onda (é movimento do sistema, como o fluir de um rio ou um vento, ou o movimento de um veículo). A onda leva consigo energia, momentum, informação e outras coisas, associadas às suas características, que são frequência, polarização, amplitude, fase e recorte (o recorte é o desenho da envoltória da onda, que pode se propagar com velocidade diferente da própria onda, inclusive em sentido oposto). O livro “Contato” de Carl Sagan, explora a mensagem transmitida por cada um desses itens da onda. Onda é outro conceito importantíssimo na Mecânica Quântica.

O surgimento do quantum

Ao estudar a interação (troca de energia) da radiação existente em uma cavidade com suas paredes, Planck descobriu, num “insight”, que o espectro (distribuição da intensidade da energia em função da frequência) teórico correto (coincidente com o experimental) só era obtido se ele, ao invés de integrar as contribuições através de todos os contínuos valores de energia admissíveis, fizesse um somatório sobre valores discretos (descontínuos) de energia. Isto significava que nem todos os valores de energia eram passiveis de serem cambiados entre a radiação e a cavidade. A cada valor possível de energia ele denominou “quantum”, que em latim é quantidade (o plural é “quanta”). Na fórmula que ele deduziu, os valores das energias eram função não de uma variável real, mas de um número natural, que ele denominou “número quântico”. Ao estudar a absorção da luz por um condutor elétrico, que acumulava uma energia elétrica nas chamadas “células fotoelétricas”, Einstein também descobriu que a luz não carregava energia em um fluxo contínuo, distribuído através da onda, mas sim como se a onda fosse fragmentada em “pacotes” que eram absorvidos integralmente ou passavam incólumes. Não havia como absorver parte de cada pacote. Ele funcionava como um “corpúsculo de onda” a que Einstein denominou “fóton”. Com essas duas descobertas estava inaugurada a Física Quântica. Elas mostram que o comportamento da natureza, em seu nível mais profundo, difere daquele que o senso comum costuma considerar. A luz é onda, mas fragmentada em pacotes infracionáveis e a energia é absorvida ou emitida também de um modo descontínuo. Parece, pois, que o conceito de partícula está prevalecendo, sendo os campos um enxame de partículas. Não é bem assim, contudo.

Ondas materiais

Dois dos fenômenos exibidos pelas ondas são interferência e difração. O primeiro significa que, se duas ondas coexistem num mesmo instante e lugar, haverá um efeito de superposição das duas, sendo suas perturbações adicionadas algebricamente, o que pode resultar em reforço ou, inculsive, em ausência de perturbação. O segundo é a propriedade da onda contornar obstáculos, o que permite a audição da fala de alguém que não está sendo visto. Partículas, todavia, não exibem esses fenômenos. No entanto, experiência feitas com elétrons, do mesmo modo que a de interferência da luz por Young (que provou cabalmente seu caráter ondulatório), mostraram que havia interferência de elétrons. Como explicar? Louis de Broglie propôs que, do mesmo modo que a luz se comporta como corpúsculos (os fótons), então as partículas materiais (os elétrons), por simetria, deveriam se comportar como ondas e, por analogia com os fótons, propôs, empiricamente, expressões para a frequência e o comprimento de onda que deveriam ter os elétrons, em função de sua energia e seu momentum, pelo uso da mesma constante de proporcionalidade usada por Einstein e Planck (a constante de Planck). Pelas relações de De Broglie, aplicadas às supostas ondas dos elétrons, se obtinham padrões de interferência exatamente iguais aos mostrados nos experimentos. Então não só as ondas eram corpúsculos, mas as partículas da matéria eram ondas. As relações de De Broglie são o núcleo central teórico da Mecânica Quântica. Parece que as coisas da natureza ora se comportam como ondas ora como partículas, dependendo do fenômeno que envolva a mesma entidade. Tal comportamento, denominado “dualidade onda-partícula” é que levanta a maior parte dos questionamentos nas interpretações da Mecânica Quântica.

A estrutura do átomo

Referências à idéia de átomo já existiam no século 6º AC nas escolas Nyaya e Vaisheshika, na Índia, e, depois, em 450 AC, com Leucipo e Demócrito, na Grécia. Boyle, em 1661 já mencionava que a matéria seria composta de corpúsculos mas só Dalton, em 1803, estabeleceu formalmente a Teria Atômica da Matéria. A comprovação definitiva de sua existência, contudo, só se deu quando Einstein, em 1905 (seu ano de ouro) provou teoricamente que o Movimento Brawniano de partículas de pó em um flúido (descoberto em 1827) só se explicava admindo-se a existência de átomos. Em 1897 Thomson descobriu que os raios catódicos eram partículas negativas emitidas pelo catodo e denominou-as “elétrons”. Se haviam elétrons negativos nos átomos, o resto devia ser positivo e Thomson propôs o modelo do “pudim de passas” para o átomo. Em 1909, Rutherford mostrou experimentalmente que a carga positiva do átomo não se distribuía por ele, mas estava concentrada em um núcleo denso, dez mil vezes menor que o átomo todo, mas com praticamente toda a massa e propôs que os elétrons orbitassem esse núcleo como planetas em torno do Sol. Mas, como cargas aceleradas emitem radiação, a aceleração centrípeta dos eletrons os fariam emití-la e perderem energia, caindo no núcleo e desestabilizando o átomo em frações de segundos. Em 1913, Bohr propôs que os elétrons só podiam emitir energia em “quanta”, como Planck havia proposto, e, quando o fizessem, pulariam de órbita e emitiriam fótons com a frequência dada pela fórmula de Einstein do efeito foto-elétrico. Esse modelo teve sucesso em explicar a posição das raias dos espectros de emissão de gases e Bohr pode escrever uma fórmula “ad hoc” para os níveis de energia. Mas permanecia inexplicável porque os elétros se mantinham nas órbitas sem irradiar.

A Mecânica Ondulatória

Com base na proposta de De Broglie (de 1924), em 1926, Schrödinger desenvolveu o modelo matemático conhecido com “Mecânica Ondulatória”, pelo qual as partículas (no caso os elétrons) comportavam-se, quando ligados ao núcleo de um átomo, como ondas que o circundavam, mais ou menos como a membrana de um tambor. Por um raciocínio indutivo muito bem urdido, desenvolveu sua famosa equação diferencial, que deveria ser obedecida por uma função “psi”, que, a princípio, não possuia significado físico (isto é, não correspondia a nenhuma grandeza mensurável existente), mas que funcionava como um artifício matemático para a obtenção de resultados. Além disso, propôs os seguintes postulados a serem obedecidos por qualquer sistema físico de partículas, no domínio não relativístico de velocidades e campos gravitacionais:
1) O estado de um sistema físico é descrito pela função psi. (matematícamente é uma função de variável complexa, definida no espaço e no tempo, contínua, derivável, suave e normalizada);
2) O valor absoluto quadrado de psi é proporcional à densidade de probabilidade de que a partícula seja encontrada naquele ponto e momento (densidade de probabilidade é a probabilidade por volume);
3) Psi obedece ao “Princípio de Superposição Linear” segundo o qual a seu valor para uma combinação de partículas é a soma algébrica (dos números complexos) do valor de cada uma, naquele ponto e momento, como se a outra não estivesse presente.
Esta formulação, ao ser aplicada ao átomo de hidrogênio, e a equação diferencial resolvida no sistema de coordenadas adequado à simetria (coordenadas esféricas), prescrevidas as condições iniciais e de contorno existentes (nulidade no infinito, por exemplo), fornecia os valores dos níveis de energia de Bohr, além da configuração espacial da distribuição de probabilidade de ocorrência do elétron, conhecida como “orbital”. Um tremendo sucesso. Mas a dificuldade computacional para resolver a equação para sistemas mais complexos do que o átomo de hidrogênio exigiram a introdução.

Medida das grandezas

Uma coisa importante a se notar é que, até o momento, na Equação de Schrödinger (ES), o elétron continua sendo uma partícula e a função de onda é um mero artifício matemático sem significado físico. O que tem significado físico são as grandezas mensuráveis do sistema, como posição, velocidade, momentum, energia, momento angular e outras. Como a ES poderia fornecer esses valores? Com uma matemática um pouco complicada (transformadas de Fourier), pode-se demonstrar que existe uma função F correspondente a psi pela transformada de Fourier, cujo valor absoluto quadrado representa a densidade de probabilidade da partícula apresentar um certo momentum, num dado instante (momentum, ou quantidade de movimento é o produto da massa da partícula por sua velocidade). Também se mostra que a aplicação do operador diferencial derivada parcial, multiplicado por -ih/2pi, (onde i é a unidade imaginária, h é a constante de Planck e pi é a razão da circunferência pelo diâmetro de um círculo) equivale, dentro da transformada de Fourier, a multiplicar a função psi pelo momentum. Então se prova que, para achar o momentum, deve-se aplicar esse operador à função de onda psi. Mas, como esta está ligada à probabilidade, o que se acha é o valor esperado do momentum. Detalhes matemáticos da operação ficam para os livros técnicos (depois passo uma bibliografia). Em resumo, cada grandeza, passível de mensuração em um sistema, possui um operador associado que, aplicado à função de onda, permite achar o valor esperado dessa grandeza (com uma certa matemática que envolve conjugação e integração em variáveis complexas). O importante é que não se tem um valor definido da grandeza, mas um “valor esperado”. O que é isto?

Valor esperado

Na Física Quântica, cada grandeza possui uma coleção de valores admissíveis para um sistema. Em linguagem matemática, aplicando-se o operador correspondente à grandeza à função psi e igualando ao produto da grandeza por psi, tem-se uma “Equação de Auto-Valor”: GΨ= gΨ, em que G é o operador, g é o valor da grandeza e Ψ é a função de onda psi (note-se que GΨ não é o produto de G por Ψ nas sim a aplicação do operador à função (derivar ou outra coisa)). A solução da equação levará ao conjunto de valores admissíveis para a grandeza g (auto-valores) e as correspondentes funções (auto-funções ou auto-vetores). O conjunto de auto-funções de um certo operador (dito Hermiteano, mas, por ora deixemos isto de lado), constitui uma “base” do espaço de funções, de modo que qualquer função possa ser uma combinação linear dos elementos da base. Este espaço vetorial é chamado “Espaço de Hilbert”, de modo que todo e qualquer estado de um sistema pode ser descrito como uma função que seja uma combinação linear das auto-funções de um dado operador (combinação linear e a soma das funções da base multiplicadas por algum fator numérico (complexo) adequado). O dito “valor esperado” é uma média ponderada dos auto-valores, tomando como pesos os valores absolutos quadrados dos coeficientes da combinação linear da função que descreve o estado do sistema.
Mas o importante é que, ao se fazer uma medida da grandeza, somente os auto-valores podem ser obtidos. O valor esperado é, pois, uma média estatística dos valores obtidos ao se repetir a medida nas mesmas condições (mesmo estado) inúmeras vezes. Note-se que não está se falando de erros de medida (que também podem aparecer) mas de diferenças reais de valores possiveis das medidas no mesmo estado.

Princípio da Incerteza

Se calcularmos, além da média, o “desvio padrão”, isto é a raiz quadrada da média das diferenças dos quadrados em relação ao quadrado da média, para vários conjuntos de grandezas de um sistema num dado estado, obtém-se o resultado que, para grandezas ditas “canônicamente conjugadas” (uma é a transformada de Fourier da outra) o produto de seus desvios padrões é, no mínimo, igual à constante de Planck dividida por 2pi. Assim acontece com a posição e o momentum, com a ângulo de giro e o momento angular, com a energia e o tempo de medição e vários outros pares. Este é o chamado “Princípio da Incerteza” de Heisemberg. À medida que se procura apurar a medida de uma certa grandeza, sua conjugada fica mais indefinida. Se se tiver o valor exato do momentum, por exemplo, não se tem informação alguma sobre a posição e vice versa. Tal fato não é apenas teórico, mas experimentalmente verificado. Sua constatação confirma o fato de que, na Física Quântica (que é a Física, afinal de contas) existe um caráter eminentemente probabilístico na determinação das grandezas ditas “observáveis”, isto é, passíveis de medição. Em suma, o fato de um sistema estar em um dado “estado” (estado é como o sistema “está” em termos de sua configuração espacial, temporal e sua situação evolutiva, isto é, sua tendência de modificação), não significa que todas seus atributos e as grandezas que os medem sejam definidas. Há um leque de possibilidades e, ao se medir uma delas, podem aparecer diferentes valores, com diferentes probabilidades. Este fato, comprovado experimentalmente, é o maior golpe que a Física Quântica deu nas concepções filosóficas deterministas ligadas à Mecânica Clássica. Isto é: a natureza não é determinista, é probabilista. É com isto que Einstein não concordava e é isto que Amit Goswani diz ao falar que a Física Quântica é a física das possibilidades.

Princípio da Correspondência

Ehrenfest demosntrou que a derivada temporal do valor esperado da posição é igual à razão do valor esperado do momentum para a massa e que a derivada temporal do momentum é igual ao simétrico do valor esperado do gradiente da energia potencial. Esses dois teoremas, em conjunto, equivalem à segunda lei de Newton da Mecânica Clássica, desde que os sistemas sejam macroscópicos, de modo que o comprimento de onda da onda de matéria associada pelas equações de De Broglie seja muito menor que o tamanho do corpo e o pacote de onda que lhe representa seja bem localizado. Isto vém a ser o que se chama de “Princípio da Correspondência”: “As leis da Mecânica Clássica são casos particulares das leis da Mecânica Quântica, para sistemas macroscópicos”.

Equação da continuidade

De certa forma, a Mecância Quântica, ao tratar os estados das partículas por meio de uma função, funciona como uma teoria de campo, semelhante ao eletromagnetismo (inclusive pela existência da superposição linear). Isto fica patente se se pegar a equação de Schrödinger e somá-la com sua complexa conjugada. A equação resultante se torna, então, uma equação obedecida pela densidade de probabilidade, e é exatamente análoga à “equação da continuidade”, obedecida pelo fluxo de cargas elétricas bem como pelo fluxo de um flúido em escoamento. Isto é, a derivada temporal da densidade de probabilidade é igual ao simétrico do gradiente da “corrente de probabilidade”. Se substituirmos probabilidade por carga elétrica, temos a equação da eletrodinâmica para o fluxo de cargas e se substituirmos por densidade de massa, temos a equação da dinâmica dos flúidos. Mas o que seria “corrente de probabilidade”? Nada mais que o produto da densidade de probabilidade pela “velocidade de grupo” da onda de De Broglie associada à partícula. E a velocidade de grupo de uma onda é a velocidade do recorte da onda, que é a velocidade com que, na onda, caminham a sua energia e o seu momentum. Assim, neste caso, é a velocidade de “viagem” da probabilidade e de tudo que a partícula leva consigo, isto é, é a própria velocidade ordinária da partícula, macroscopicamente considerada.

Diferença notável

Apesar do Princípio da Correspondência e da Equação da Continuidade mostrarem que a Mecânica Quântica descreve não só o mundo microscópico mas também o mundo macroscópico ordinário (só que de modo muito mais complicado e, portanto, ineficiente para tratar dos problemas macroscópicos, mesmo que dê os resultados corretos), há diferenças fundamentais, só observadas no mundo microscópico, que fazem as duas irreconciliáveis neste domínio. A chave das diferençãs está no caráter de teoria de campo e na obediência ao princípio de superposição. Duas ondas podem se interferir dando como resultado a aniquilação mútua: isto é: luz mais luz pode dar escuridão. Quem já viu uma figura de interferência de uma experiência de Young pode constatar a olho. No mundo macroscópico duas partículas não podem ocupar simultaneamente o mesmo lugar no espaço, quanto mais se aniquilarem. Na Mecânica Quântica podem. Considerando que a função de onda Ψ é, de fato, um campo real, o “campo da matéria”, e que ele obedece à superposição linear, pode-se ter lugares em que, simultâneamente, coexistam os campos de duas partículas e que, em certas circunstâncias, eles se aniquilem, isto é, a probabilidade de haver partícula lá é nula, apesar de que, cada uma, separadamente, poderia estar lá. Este fato é observado experimentalmente na experiência de interferência (e difração) de elétrons e é um dos pontos principais de controvérsia nas diferentes interpretações da Mecânica Quântica, como veremos. Outro é a questão do emaranhamento quântico, que também será discutido.

Alguns pressupostos

Para compreender e explicar a realidade física, isto é, a natureza exterior objetiva (exterior à mente inquiridora), em primeiro lugar a Físca tem que adotar a crença na realidade do mundo independente do sujeito. Caso contrário nada há que se investigar, tudo pode ser inventado. Isto posto, são construídos modelos mentais da realidade. Esses modelos são representações esquemáticas das entidades e dos fenômenos da natureza. Nisto se faz uma simplificação e uma escolha de entidades teóricas que melhor se prestem à descrição de como a realidade é e como funciona. A realidade física é composta de três itens: conteúdo, estrutura e dinâmica. O conteúdo é a matéria, os campos, o espaço, o tempo. A estrutura é a disposição desse conteúdo, cada parte em relação às outras partes e a dinâmica é o modo como esta estrutura se modifica. Na natureza tudo é imbrincado e interconectado. Na verdade o Universo todo é um único organismo que pulsa. O fatiamento desse todo em partes distintas para estudo é uma mera questão didática, já que a apreensão, “in totum” da estrutura e funcionamento do Universo seria algo por demais grandioso e complexo. Além desse fatiamento, eu diria, geográfico, há um outro que se refere ao nível de profundidade da explicação. Explicar como funciona o corpo humano pode ser feito num nível anatomo-fisiológico, num nível bio-químico, ou num nível molecular ou até num nível de partículas sub-atômicas. A física dá as explicações mais profundas e também as mais abrangentes (se considerarmos a cosmologia como um capítulo da física). E nessa explicação entra a matemática, como comentarei na próxima postagem. Mas é importante sempre se ter em conta de que a natureza funciona por conta própria, independente da existencia ou não de alguma mente que pretenda explicá-la. Isto é fundamental para o modo como vejo a ciência. O homem é o menos importante. Mas é preciso que a natureza seja traduzida para uma interface humanamente compreensível. Como num programa de computador.


O modelamento físico-teórico da realidade

Ao se proceder um modelamento físico-teórico da realidade o pesquisador identifica padrões que podem ser associados a certos conceitos (os conceitos não existem na realidade em si, mas são construtos intelectuais). Como os fenômenos físicos experimentados pelas entidades físicas são de duas ordens: movimento e interação os conceitos mencionados se referem a esses fenômenos e aos itens da realidade física já mencionados. São as entidades físicas, seus atributos e as ocorrências que se dão com elas. Por exemplo: Entidades: matéria, sistema, corpo, campo. Fenômenos: interações, alterações, surgimento, aniquilação. Atributos das entidades: localização, extensão, movimento, massa, energia, carga, temperatura. Atributos dos fenômenos: duração, intensidade, quantidade, poder. 
Agora vém uma parte interessantíssima.
Aos atributos mencionados podem ser associadas grandezas, que são entidades matemáticas (números, vetores, tensores, matrizes), de uma forma tal que haja uma correspondência bi-unívoca, isto é, as grandezas são operacionalmente mensuráveis. Ao se definir uma grandeza há que se definir um processo de se obter o seu valor. Uma vez que as grandezas são matemáticas, pode-se aplicar a elas todo o ferramental da matemática: álgebra, análise, geometria, trigonometria e assim por diante. Esse ferramental foi desenvolvido, inclusive, porque existiam grandezas físicas referentes a atributos de entidades físicas reais e objetivas a que elas se reportassem. Com o uso da matemática (e da lógica nela embutida), é possível se obter previsões do comportamento das entidades cujos atributos são dados pelas grandezas manipuladas.
Pois bem, por incrível que pareça, na maioria das vezes, os resultados deduzidos matematicamente conferem com as medidas experimentais obtidas quando se provoca a ocorrência do fenômeno em questão. Esta correlação entre a matemática e o comportamento da natureza parece ser algo mais profundo do que uma mera coincidência. 

Teoria e experiência

Essa retro-alimentação que existe na ciência é fundamental. Equações teóricas são obtidas por indução a partir do comportamento da natureza, analisado a partir das grandezas que descrevem os atributos das entidades e dos fenômenos. Trata-se de uma genrealização de casos particulares. Isto é o que se chama “Lei Física”. A validade da lei é sempre provisória. Tomando a lei como um postulado matemático, teoremas podem ser matematicamente deduzidos e suas previsões cotejadas com os valores experimentais ou observacionais. Discrepâncias existentes, já descontados os erros devidos às falhas experimentais, levam à busca de novas formulações teóricas mais corretas. E assim se aproxima cada vez mais da verdade. O método científico consiste em formular essas hipóteses (que são as equações) e testá-las. Um conjunto de hipóteses intercorrelacionadas e resistente aos testes consiste numa teoria física. Nessa formulação, contudo, não há referência à metodologia para se formularem as próprias hipóteses, que podem ser meros palpites. Segundo Popper, não importa, o método científico é o do teste. Nesse ponto eu discordo. O maior problema da ciência é encontrar a hipótese plausível para ser testada. Esse é o grande esforço. Em ocasiões especiais, em que os esforços se revelam infrutíferos, costuma surgir uma hipótese inteiramente fora dos padrões vigentes. São as revoluções de paradigmas a que se refere Khun. Isto é o que aconteceu com a mecânica quântica e com as duas relatividades e agora está acontecendo com a hipótese das super-cordas, ainda não estabelecida com segurança.
Assim, realmente, a ciência faz uma sintese dialética do idealismo com o realismo, mas não se pode esquecer que a ciência é um construto ideal calcado na hipótese de que existe uma realidade objetiva material que precede esse construto. Isto é muito diferente de Platão e de Berkeley. Mas também não precisa ser positivismo. Não gosto muito de enquadramentos em correntes pré-definidas. 

Equação de Schröndinger
A equação da Física Quântica não relativística é a “Equação de Schrödinger”, que é uma equação diferencial parcial nas quatro variávies espaço-temporais (x,y,z,t). Sua solução depende de se expressá-la em um sistema de coordenadas compatível com a simetria do problema, se possível, separar as variáveis e, então, resolver as equações ordinárias correspondentes, em função das condições iniciais e de contorno. Tal procedimento pode ser visto em livros-texto de Física Quântica, como o Eisberg-Resnick, o Alonso & Finn ou o Gasiorowicz, dentre outros. Não é trivial e depende de um bom conhecimento de matemática até o nível de equações diferenciais parciais (geralmente o Cálculo IV nas Universidades).
Veja, por exemplo, o link: http://en.wikipedia.org/wiki/Schr%C3%B6dinger_equation


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